Ao seu redor tudo sobra, à excepção do gato que lhe acompanha cada passo, entre cada pausa, e o oceano que lhe entra pelos olhos persistentemente. Se morresse hoje, sentiria a sua falta.
Arquivo: Órgão de Grafia
Não é nada de especial, mas é importante: esta noite, entre tantas noites, a trovoada fez-se sentir e uma torrente de água breve limpou a cidade. Finalmente ouço os poetas. Como te dizia, algo pequeno. Só queria que soubesses. Boa…
Trouxe o calor na bagageira. Ela não queria mas não pôde evitar. Como poderia evitar algo que desconhecia? Não que desconhecesse o calor, simplesmente não sabia que o transportava consigo. 4 graus ainda são alguns graus… Teria havido forma de…
Há um elefante branco na paisagem. Petrificado, ao longe, como gelo na sua magnitude, é visível até aos olhos mais distraídos. Incrustado por entre árvores de seu tom verde, é uma miragem de textura lisa e atemporal. Há pessoas plantadas…
Estar pronta é alongar debaixo dum poste numa noite escura. Estar pronta é fazer caras a desconhecidos no colo da avó. Estar pronta é levar uma cotovelada, doer e continuar. Estar pronta é vestir um fato que traz com ele…
Um corpo ocupa o que o corpo ocupa mais o que as suas extensões ocupam. Não há corpo que ocupe mais que o corpo de quem dança. Dêmos-lhe espaço para existir.
Algumas dançam porque não podem falar, outras escrevem porque não podem dançar. Que relação é esta entre a dança e a palavra?
Formigas atómicas e ouriços perdidos. As vozes eventualmente serão ouvidas.
A noite caiu e apanhou-te desprevenido no teu querer. A chuva e o vento acabam de limpar os resquícios da faina ainda espargidos no chão. Com a luz na cabeça esquivas obstáculos e preparas o amanhã. A subsistência é o…
No presente ou passado recente, busco sem parar pistas de um futuro incógnito que não se deixa adivinhar, atirando por terra todas as tentativas de subverter a ordem. Tempo perdido. Tempo encontrado.
Invisível, o manto cai nas horas e, tropeçando, tentamos erguer na sua dignidade o caminho turvo. As horas também caem, extraordinárias, com aroma a excepção, lentidão e dever. Companheiras do isolamento, são horas que nos arrastam inevitavelmente no destino de…
Uma mão e a outra tocam-se. Uma não vive sem reconhecer a outra. Há cumplicidade neste gesto. Envolvem-se e dedicam-se o seu tempo em movimentos coreográficos. Proteger uma parte para proteger o todo. A consciência do que implica este gesto…
Há dias que não acabam, há dias em que o sono não vem. Há dias que se esfumam lentamente noutros dias e os sonhos são roubados. Há semanas que são dias, baralhando o calendário da razão humana. E quando finalmente…
Daqui a nada Vai escurecer, Vai parecer Que desabou O tecto do mundo… E nada posso fazer. No silêncio Da espera, Toma a minha mão. É tua até ao fim. É tua. Outra estrela brilhará, Há outro mundo Para sonhar,…
A lua pegou fogo esta noite. Tem luz própria e ilumina causas perdidas. Hoje não é deusa nem satélite, nem velha, nem jovem. Cansada de mostrar a mesma face de sempre, despe-se para quem a queira ver inteira.
Imagem da primeira edição em catalão dos folhetos Poemas de Verão, da colecção Poemas de estação, para a performance Cordel de Teresa Santos / Poeta de Gandia.
As palavras não são definitivas: o seu significado, a sua grafia ou a sua composição. Uma palavra maiúscula pode, num repente, perder importância e tornar-se minúscula. Se é que existe hierarquia nas palavras… As palavras não se deveriam ler ou…
Um barco no fundo do mar é sempre um desastre, nenhum barco nasceu para afundar. No entanto, ao ser atravessado pelo tempo, há nele uma beleza que advém da catástrofe. O tempo muda o olhar das coisas.